Autores: Stephen
Davis e Peter Simon
Este
livro tem um significado especial para qualquer reggueiro e, em
particular, o brasileiro.
Com o nome de "Reggae: música e cultura da Jamaica",
a edição
portuguesa (Editora Centelha, ainda encontrável em sebos)
desta extensa reportagem
foi por muito tempo a maior fonte de informação para
quem queria conhecer
o ritmo de Jah em profundidade, tanto que era chamado, por algumas
pessoas, apenas de "o
livro". As primeiras palavras da introdução (sem
contar com a epígrafe)
até hoje impressionam o reggueiro mais vivido:"É
evidente que o reggae é subversivo, perigoso e talvez devesse
ser proibido; o reggae
é música de foras-da-lei, primitiva e tribal, o reggae
é hipnótico, é música
de transe; é uma tempestade cultural emanando das Caraíbas,
situadas apenas 150
km ao sul de Cuba." Quem
não ficaria curioso e ansioso por saber mais sobre essa música
tão misteriosa
e incendiária?
O livro é
um diário de viagem dos dois jornalistas americanos pela
Jamaica. Basicamente
são várias entrevistas, sempre precedidas de um relato
saboroso, mas não muito extenso, sobre o artista
enfocado e as condições em que ocorreu o encontro
com ele, narrado
de uma forma que pode ser reconhecida em outras reportagens sobre
o tema que já
saíram na imprensa brasileira, mas é claro que estamos
diante do original.
Esta forma é
facilmente reconhecível. Começa traçando uma
pequena história das raízes
do reggae (expressão que poderia traduzir o nome original
do livro, outra poderia
ser "genealogia do reggae"), passando superficialmente
pelo ska e pelo rock-steady,
estilos que precederam o ritmo. Segue-se uma série de entrevistas
reveladoras com Bob Marley (pouco antes do atentado que o levaria
a morar fora da ilha
por uns tempos), Burning Spear, Jimmy Cliff, Toots Hibberts, Joe
Higgs, Big Youth, Harry J. (produtor), Byron Lee, Peter Tosh, Max
Romeo, Ras Michael e
muitos outros anônimos que vão tecendo um retrato detalhado
da situação
jamaicana da época (começo de 1976).
Talvez tenha sido a
primeira leitura que muitos fãs de reggae tiveram com uma visão
do ritmo que ia além
dos artistas mais conhecidos. Mais do que isso, tinha-se uma visão
geral de todo o contexto
cultural e sócio-econômico que gerou a música
de Jah. A diversidade
de estilos e formas do ritmo, sempre negada pelos que não
faziam e não
fazem questão de conhecê-lo melhor para criticá-lo,
também é comentada através
de alguns dos expoentes da música.
É
claro que, mais de vinte anos depois de sua publicação,
pode-se apontar um artista que foi esquecido ou outro que foi subestimado,
mas eles avisam na introdução que "não
tentamos fazer uma reportagem sobre todos os músicos importantes
da Jamaica. Enquanto estivemos lá, algumas estrelas do reggae
estavam fora e outras estavam escondidas. Só Jah pode saber
porquê." É mais fácil encontrar algum fator
desabonador na edição portuguesa (foto acima), que
veio em um formato menor,
com fotos em menor quantidade e mal impressas. Também seria
de grande ajuda um índice
de artistas e assuntos, além de uma bibliografia (o que é
compensado pelo valor sentimental geralmente dado a esta edição).
Trata-se de
um clássico do jornalismo cultural, modelo para muita coisa
que foi feita depois e que deve ser julgado como tal. É uma
visão de fora, certamente incompleta, talvez com um viés
exótico, mas que respeita os artistas e o leitor na maior
parte. Ele continua sendo a porta de entrada para o complexo universo
do reggae para muita gente, ainda mais quando hoje muitos consideram
a época retratada pelo livro como a mais fértil e
inspirada da música jamaicana até hoje. Sem entrar
nesse tipo de polêmica (até porque pode-se considerar
como uma falsa questão, afinal o reggae daquela época
é a base do que é feito hoje, goste-se ou não),
é um item indispensável na biblioteca de todo o reggueiro
que se preze.