
A banda maranhense Tribo de Jah representou com brilho as cores do reggae brasileiro na edição de 95 do Reggae Sunsplash, na Jamaica (na foto acima, de Geraldo Carvalho, a banda é vista desembarcando no aeroporto de Kingston). A sinceridade e a qualidade musical do seu trabalho conquistou os jamaicanos, mostrando que abaixo do Equador também existe reggae do bom. É esse reconhecimento que a Tribo está tentando obter no restante do Brasil, já que no Nordeste eles são queridos pelo público e aclamados pela mídia, uma posição conquistada depois de dez anos de trabalho. Em meio a uma agitada turnê pelo sul e sudeste, Fauzi Beydoun, vocalista e compositor principal da Tribo, nos deu esta entrevista por telefone e fax, contando a sua história, a trajetória da banda e os planos para o futuro.
Massive Reggae- Como você conheceu os músicos da Tribo?
Fauzi Beydoun- Os integrantes da banda eram internos da escola de cegos do Maranhão. Garotos pobres, despertaram pra musica improvisando instrumentos de brinquedo, até que começaram a animar as festas que aconteciam na escola. A paixão pela musica fez com que eles começassem a fugir da escola para ouvir as bandas nos bailes e aí começaram a dar algumas "canjas". Como era um grupo muito coeso e afinado, chamou a atenção de um "dono de conjunto" que os contratou para animar bailes. Já nessa época, a seção reggae dos bailes era o grande destaque do grupo (por volta de 83). Eles eram considerados os melhores do reggae, tocando covers das músicas que estavam emplacadas nos salões de São Luís e do interior. Em 86, tendo largado o emprego pra montar uma banda, estando ha dois anos no Maranhão, fui comprar o equipamento de um conjunto e quando fui ver o equipamento, os caras estavam ensaiando. Reconheci a galera que tinha visto tocando reggae na praia certo dia, mas não sabia que a partir do momento que comprasse o equipamento eles ficariam desempregados. Já fazia um programa de reggae (Rádio Reggae) na radio Mirante de São Luís e eles já me conheciam pelo radio. Aí me apresentei e disse que estava comprando o som, e se eles quisessem, a gente podia montar uma banda de reggae e trabalhar juntos... E foi aí que tudo começou!

Fauzi Beydoun (foto: José Renato)
MR- Como você tomou contato com o reggae e com a cidade de São Luís do Maranhão? Sei que você já morou na Africa. Onde você morou lá e como foi essa experiência?
Fauzi- Saí de Assis, no interior de São Paulo e fui diretamente para Abidjan, capital da Costa do Marfim (terra de Alpha Blondy). Foi uma mudança radical que me fez despertar para a cultura, a causa e a música africana. Quando voltei para o Brasil fui morar em São Paulo, onde cheguei a cursar Ciências Sociais na USP, o que fez com que eu me identificasse mais ainda com a temática político-social do reggae, além do lado místico. Só que não agüentava mais viver em SP e dei um jeito de ir para Recife, onde fiquei um ano trabalhando numa companhia suíça chamada SES, que prestava serviços de inspeção de portos. Fui transferido para São Luís do Maranhão. E aí foi um grande choque porque já era colecionador e pesquisador de reggae desde SP. Quando fui ao primeiro clube de reggae de São Luís, o "Pop Som", achei que estava na Jamaica. Em SP também já compunha e tinha formado algumas bandas, ( a última foi "O Eco do Trovão"), sempre dando ênfase ao reggae. Em São Luís, comecei a tocar com músicos "free-lance" até começar com o programa de reggae no rádio em 85 e conhecer a galera da Tribo em 86. A faixa 2000 anos foi composta em SP em 81.

Capa da revista Massive Reggae 8, de 1996, onde esta entrevista foi originalmente publicada
MR- Como foi o início da carreira da banda? Quais foram os shows que você acha terem sido importantes para a evolução de vocês?
Fauzi- Nós começamos tocando algumas músicas que eu já tinha, mesclando com covers de reggaes que faziam sucesso nas radiolas de São Luís. O começo foi muito difícil devido ao descrédito total em relação à banda e à falta de recursos, porque os instrumentos eram muito precários e o público do reggae estava acostumado com a potência da grandes radiolas e sobretudo com o reggae puramente jamaicano. A gente chegou a receber até vaias quando tocamos dentro de um clube de reggae. Os primeiros shows estão perdidos na lembrança, mas o trabalho só despontou realmente com a chegada do primeiro LP que eu mesmo produzi e banquei com muita dificuldade. A gravação saiu em 91 e em seguida o LP chegou a ser recordista de vendas em São Luís.
O shows que marcaram a trajetória da banda são de quando ela acompanhou Gregory Isaacs em São Luís, numa praça central, onde havia umas 20.000 pessoas (também em 91); o show do Sunsplash 95, o show de Caiena, na Guiana Francesa, com muita chuva. E tantos shows inesquecíveis que a banda fez pelo nordeste, nas capitais ou no interior do sertão e agora também aqui no sul, em Porto Alegre, Ubatuba, São Miguel Paulista, no Palace e o último no Blen-Blen, todos grandes shows.
Show da Tribo de Jah em Recife
(foto: Eduardo Noronha)
MR- Como foi produzir de forma independente e agora com uma gravadora? Como o novo disco está sendo recebido?
Fauzi- O trabalho independente é altamente desgastante. Você tem que se desdobrar em músico-compositor, produtor, distribuidor, tem que correr atrás de patrocínios, apoios, sem nunca deixar de receber muitas portas na cara. Pra fazer o primeiro disco a gente teve que lutar contra tudo e contra todos, sem grana, sem apoio e com os total descrédito da grande maioria. O segundo disco já foi um pouco melhor, tendo em vista a repercussão do primeiro. O terceiro trabalho, "Ruínas da Babilônia", já foi mais fácil com o apoio da Indie Records. Mesmo assim, e apesar da evolução da banda, a gente não pode dispor do tempo necessário e de maiores recurso para fazer um disco realmente do nosso agrado. De qualquer forma, apesar da Indie ser uma pequena gravadora, eu acho que houve uma melhora na qualidade do som e também da distribuição. A dificuldade a nível da divulgação continua grande. No geral, esse último trabalho pode ser considerado um complemento dos demais.
Ele já vendeu 10.000 cópias sem que tenha chegado a redutos importantes da Tribo como o Maranhão, Pernambuco e outros lugares e sem que tenha sido feita nenhuma divulgação por parte da gravadora. No geral, a receptividade tá sendo mutuo boa e o Cd tem recebido bantante elogios.

Foto recente da Tribo de Jah
MR- Você recentemente se mudou para Fortaleza e tem administrado a sua carreira de lá. Os outros integrantes da banda também foram para lá?
Fauzi- Quando no Nordeste, a Tribo tem dividido seu tempo entre São Luís e Fortaleza. Geralmente passa uma temporada hospedada em Fortaleza e de lá parte para as regiões vizinhas. Quando os compromissos da banda diminuem, o pessoal se recolhe no Maranhão. Pra mim tem sido melhor tocar do trabalho de Fortaleza, que é um centro maior e mais estratégico, já que a base regional da banda abrange todo o Nordeste. Há que se considerar que a cena do reggae no Ceará cresceu muito e a Tribo conseguiu um espaço privilegiado nesse mercado, assim como os demais estados na região.
MR- Como foi tocar no Sunsplash? A banda tem planos de repetir a experiência? Outros shows internacionais estão a caminho?
Fauzi- A experiência no Sunsplash foi um momento consagrador pra banda, que soube preparar uma apresentação compatível com o tipo de público que se iria atingir. Basicamente, quase todas as músicas foram cantadas em inglês. A homenagem a Bob Marley também ajudou a cativar a empatia do público e dos organizadores. Seria muito interessante poder repetir essa experiência, quem sabe no ano que vem. De imediato, a banda tem um convite pra tocar na Califórnia ainda este ano e agente tá tentando expandir a turnê para outras cidades americanas, torcendo para esse projeto vingar.

A Tribo de Jah no Reggae Sunsplash '95
(foto: Geraldo Carvalho)
MR- Como está o seu disco solo?
Fauzi- O trabalho solo está praticamente pronto pra ser gravado. São canções que seguem uma linha diferente dessas gravadas pela Tribo e realmente não ficaria bem se fossem assinadas pelo grupo. De qualquer maneira, são músicas que foram compostas há algum tempo e pessoalmente eu considero muito expressivas para serem jogadas fora. Acho que trarão também a sua contribuição de forma inovadora. O problema é só achar um espaço na agenda pra começar a gravar.
Tribo de Jah no Maranhão Roots Festival de 2003
MR-Quais os planos da Tribo para este ano?
Fauzi- Pra Tribo de Jah, embora o momento seja de regresso para o Nordeste, o desafio é conquistar o Sul e o Sudeste, principalmente as regiões do interior de São Paulo, Paraná etc. É um mercado muito significativo que tem que ser alcançado. Pra isso a banda promete retornar no verão, devendo passar mais alguns meses por aqui. Por enquanto a ordem é tocar, tocar, tocar...
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