Massive Reggae 6

texto e fotos:  Leo Vidigal

 
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O grupo Black Uhuru (Liberdade Negra) serve há muito tempo como uma referência para os apreciadores do reggae, influenciando toda uma geração de novos artistas, inclusive no Brasil. E foi por aqui mesmo que a trajetória cheia de transformações e reviravoltas do grupo teve um capítulo curioso em 95.

uando se pensa no Black Uhuru, o nome de Derrick 'Duckie' Simpson (foto ao lado, tirada durante o seu show em Curitiba, em 95), aparece como o de um coadjuvante, mas na verdade ele sempre foi o pilar de sustentação do grupo. Duckie fundou o famoso trio vocal e participou de todas as suas seis formações ao longo de quase 20 anos. Em seu quarto de hotel em Curitiba ele contou ao Massive Reggae como tudo começou. Ele morava em Trenchtown, favela de Kingston, e sempre batia uma bola com seus vizinhos Bob Marley, Peter Tosh e Pipe (dos Wailing Souls). Duckie também queria montar o seu grupo e convidou Don Carlos e Garth Dennis para fundar o Black Uhuru. Essa união gerou apenas dois compactos mas selou uma amizade que depois os colocaria novamente juntos.

  Duckie estava de novo sozinho e para continuar com um trio chamou o amigo Errol Nelson e um jovem que gostava de freqüentar os ensaios dos artistas do bairro: Michael Rose. Depois de muita batalha o trio gravou em 1977 o seu primeiro disco, 'Love Crisis', depois remixado e relançado com o nome de 'Black Sounds of Freedom'. Errol Nelson partiu para outro grupo, mas com a entrada da americana Puma Jones e o início da colaboração de Sly Dunbar e Robbie Shakespeare, começaria a melhor fase da carreira do Black Uhuru.

  Também conhecidos como "Rhythm Twins"(os "Gêmeos do Ritmo"), o baterista Silvester "Sly" Dunbar e o baixista Robert Shakespeare começaram a tocar juntos no estúdio Channel One, na metade dos anos 70. Sly & Robbie ficaram bastante conhecidos depois de se juntarem a Peter Tosh, com quem gravaram discos antológicos como 'Equal Rights' e 'Wanted Dread or Alive', acompanhando-o na sua vinda ao Brasil. Os primeiros frutos da parceria com o Black Uhuru foram alguns compactos que seriam reunidos no álbum 'Showcase', também chamado de 'Guess Who's Coming to Dinner', nome com o qual foi lançado por aqui pela JHO .

  Logo depois o Black Uhuru assinou um polêmico contrato com a gravadora Island, a mesma de Bob Marley. Duckie Simpson se mostra reticente sobre esse período: "Achamos que não seria como na Jamaica, em que todos ganhavam, menos os artistas, mas nos enganamos. Não ganhamos um centavo da Island." Mas Duckie reconhece que aquela foi a melhor fase do Black Uhuru, em que a banda conseguiu destilar um som inovador e cativante, que iria influenciar o reggae de modo decisivo. O primeiro álbum na Island, 'Sinsemilla', abalou as estruturas da Jamaica. Michael Rose assinava a maioria das composições e isso também não agradava Duckie. Puma Jones, apesar de oficialmente relegada à função de backing vocal, ajudava, nos bastidores, a preservar a harmonia do grupo.

  Em 81 a indiscutível qualidade artística do Black Uhuru foi reconhecida pela revista americana Rolling Stone, que colocou o disco 'Red', lançado no mesmo ano, na sua lista dos 100 melhores discos da década. Na mesma época de `Red' foi lançado o primeiro disco ao vivo do trio, "Tear it Up". Sly & Robbie estavam agora incorporados a eles como co-criadores das músicas e viajavam sem descanso, exatamente como na época de Peter Tosh. Na seqüência seria lançado o álbum `Chill Out', de 82, que é um ótimo disco, apesar de ofuscado por `Red', ainda hoje considerado por muitos como a obra-prima do grupo.

  O Black Uhuru se tornara então o grupo jamaicano mais conhecido em todo o mundo. "Anthem" saiu em 83 e ganhou o Grammy de melhor álbum de reggae daquele ano, coroando esta fase da banda. Mas o contrato com a Island estava no fim e os problemas de relacionamento entre Duckie (que aparece na foto ao lado em sua apresentaçnao em Curitiba) e Michael se acumulavam perigosamente. Uma coletânea dentro da série Reggae Greats saiu em 84, mas só chegou ao Brasil agora, reunindo algumas das melhores faixas dessa fase (em 94 a Island lançou ainda um CD duplo com as canções consagradas e algumas versões alternativas dos sucessos que detém sob o seu catálogo).

  

  A renovação do contrato com a Island foi impossível e isso quase acabou com a banda. Michael Rose decidiu seguir uma carreira solo que só parece ter deslanchado agora, dez anos depois. Sly & Robbie preferiram ficar na Island, onde iriam trabalhar com novos artistas como Ini Kamoze e produzir uma série de álbuns solo iniciada pelo ótimo 'Rhythm Killers'.

  Quem se juntou ao grupo para assumir o posto de principal vocalista foi Junior Reid, outro jovem que cresceu influenciado pelos sons da geração de Duckie. O primeiro álbum com ele foi 'Brutal', lançado pela gravadora americana RAS Records em 86 e que acaba de sair no Brasil pela Top Tape. Neste disco eles ainda contaram com a participação de Sly & Robbie, mas esta seria a última. 'Brutal' também foi o derradeiro trabalho de Puma Jones, já debilitada pelo câncer que lhe tiraria a vida em 90. O trabalho seguinte, também pela RAS, foi 'Positive', já com a vocalista Olafunke. Depois seria lançado o segundo e último álbum ao vivo oficial do Black Uhuru, "Live in New York". O som da banda estava precisando de uma sacudida e isso foi providenciado pelo acaso.


 Duckie Simpson, com Yasus Afari, em Curitiba, faz o seu conhecido passo 'rocker'.

  Em 89 o Black Uhuru foi convidado a participar de um festival nos Estados Unidos mas Junior Reid não conseguiu o seu visto. Duckie acabou indo sozinho e lá encontrou com seus velhos amigos Don Carlos e Garth Dennis. Don havia construído uma carreira solo mas estava há dois anos sem gravar. Garth cantou por muitos anos com os Wailing Souls e estes também estavam em recesso. Duckie, por sua vez, desconfiava que Reid também estava querendo tentar a carreira solo, o que acabou acontecendo. Assim, depois de rápidas negociações surgiu o novo Black Uhuru, que coincidentemente tinha a sua primeira formação: Duckie Simpson, Don Carlos e Garth Dennis.

 

     

 Duckie Simpson, Don Carlos e Garth Dennis: a primeira formação do Black Uhuru reaparece com tudo, como aqui, na contracapa do álbum 'Strongg'.

   Tudo parecia tranqüilo entre os antigos camaradas. Nos quatro álbuns que gravaram para a gravadora canadense Mesa, as composições das faixas eram divididas entre os três e todos tinham a chance de liderar os vocais. 'Now', o primeiro dessa associação, foi lançado em 90 e é um álbum de três artistas maduros, com algumas músicas voltadas para a pista de dança, como 'Take Heed' e belas versões como 'Hey Joe', de Jimi Hendrix. Foi para divulgar esse disco que os três vieram ao Brasil pela primeira vez em 91, fazendo excelentes shows no Rio e em São Paulo. O álbum seguinte, 'Iron Storm' iria reafirmar essa tendência, com faixas energéticas como 'Dancehall Vibes' e a participação do rapper Ice T. 'Mystical Truth' , de 93, foi a terceira parceria dos três veneráveis rastas, com grande impacto na imprensa internacional. Na época, Duckie declarou à revista americana The Beat que estava muito contente com essa fase do Black Uhuru e que 'com Don e Garth não tem nenhuma ego-trip ou coisa parecida'. No entanto o álbum 'Strongg', do ano passado, pode ter sido o último dessa formação. O que é uma pena pois esse é com certeza o melhor dessa fase do Black Uhuru, em que o grupo apresentou um reggae moderno mas bem enraizado, sem concessões fáceis aos ritmos que predominaram nos últimos anos.

  Mas o que motivou a separação dos velhos amigos? "Eu mesmo não sei o que aconteceu" , declarou Duckie, "Don Carlos queria retomar o seu trabalho solo e fazer uma turnê. Ele convidou Garth para ir com ele e eu fui à Europa fazer alguns shows, já como cantor principal do Black Uhuru. Quando voltei eles também estavam se apresentando com o nome de Black Uhuru". Segundo Don e Garth aconteceram alguns problemas na gravação de um videoclip para uma faixa do álbum 'Strongg' e eles entendem que também têm os seus direitos.

  Para piorar a situação, aconteceu a inusitada turnê brasileira, ou turnês, algo talvez inédito na história do showbusiness tupiniquim: duas bandas internacionais com o mesmo nome se apresentando ao mesmo tempo em lugares diferentes. Tudo começou em julho de 95, quando as produtoras Keep on Kicking e Water Brothers anunciaram simultaneamente que trariam o Black Uhuru novamente ao Brasil. Como a situação não se resolvia lá fora e não houveram tentativas de se acionar a Justiça brasileira, os shows acabaram acontecendo quase sempre com uma semana de diferença entre o "Black Uhuru 1" (de Duckie, com shows em São Paulo e Curitiba) e o "Black Uhuru 2" (de Don e Garth, com shows no Rio, SP e Curitiba). Duckie se mostrava indignado com a situação: 'Em qualquer outro lugar do mundo os produtores se respeitam'. Em conversa com o Massive, Don e Garth e também disseram estar aborrecidos e lamentaram a separação do grupo. Em Curitiba foi pensada a possibilidade de se promover uma histórica reconciliação, mas com o clima que havia sido criado seria muito difícil.

Yasus Afari, dub poet jamaicano (que aparece na foto ao lado, também em Curitiba) acompanhou o trio ainda completo na turnê americana de 94 e que veio com Duckie ao Brasil, tendo até mesmo se encontrado com Pelé, a quem presenteou com um poema. Ele esclareceu por telefone que a questão será resolvida pela Justiça americana, já que a gravadora canadense Mesa, que os tinha sob contrato, foi encampada pela Warner. O julgamento (1) está marcado para março de 97.

  Ironicamente, o Black Uhuru é respeitado em todo o mundo como um dos principais grupos da história do reggae, mas é praticamente ignorado hoje na Jamaica. No Brasil eles são sempre citados como uma grande influência por bandas como os Paralamas, O Rappa, Cidade Negra e outras, como as de Curitiba que estão aparecendo agora. Só podemos torcer para que a aventura do Black Uhuru não termine tão cedo e que ele continue a apresentar nos palcos os seus diários de viagem, pois o seu som e a sua mensagem consciente continuam a entusiasmar o público e a gerar seguidores .


Notas:

(1) As últimas notícias sobre o caso dão conta de que Duckie Simpson ganhou a disputa pelo nome Black Uhuru nos Estados Unidos, em última instância. Em 98 o Black Uhuru lançou o primeiro album após o julgamento, produzidos por King Jammy. Este novo trabalho chama-se Unification (PARAS). Clique aqui para voltar ao trecho do texto de onde você veio.

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