O lançamento do LP Legalize It (Columbia) trouxe finalmente ao Brasil o primeiro LP solo do homem que representava a própria voz da consciência reggae. Para Peter Tosh, sua missão era "despertar a mentalidade dormente do povo negro de forma construtiva", como declarou certa vez. Mas a força de sua mensagem ultrapassou esse objetivo e, ao longo dos anos, vem conquistando cada vez mais admiradores.
Winston Hubert McIntosh nasceu no interior da Jamaica, no condado de Westmoreland, em 19 de outubro de 1945. Seus pais o abandonaram com a tia-avó quando ele tinha 3 anos. Aos 15 partiu para a capital, Kingston, decidido a tocar a guitarra, teclados e a mostrar o que havia aprendido cantando nas Igrejas de sua terra natal. Acabou se arrumando no famoso gueto de Trenchtown e sentiu na pele. as precárias condições de vida da população negra da Jamaica (nada parecidas com as de um país-continente que bem conhecemos, é claro).
Lá conheceu um certo Robert Nesta Marley, que morava com a mãe e seu meio-irmão Neville e já havia gravado um compacto, de nome Judge Not. Eles resolveram então formar um trio vocal e os dois irmãos mudaram seus nomes para Bob Marley e Bunny Wailer, que juntamente com Peter Tosh fundaram o grupo The Wailers. Por quase dez anos Peter emprestou sua voz grave para a sucessão de hits que os transformariam no mais importante conjunto em atividade na Jamaica. Bob era o compositor mais produtivo, mas algumas canções de Peter se sobressaíram, como "Soon Come", "Can't You See", "400 Years", "Get up Stand up" (em parceria com Bob) e muitas outras.
Veio o contrato com a Island em 72 e dois grandes discos vieram à tona: Catch a Fire e Burnin'. O reggae começava a se tornar conhecido fora da Jamaica. Tosh já estava lançando alguns compactos por sua pequena gravadora, a lntel-Diplo, quando divergências com a Island fizeram com que os três Wailers partissem em direções diferentes.
Depois do já citado Legalize It, lançado em 76, Peter tratou de montar sua própria banda, a Word Sound and Power. A espinha dorsal do supergrupo era composta pela dupla Sly Dunbar (bateria) e Robbie Shakespeare (baixo), considerados na época a grande revelação entre os instrumentistas jamaicanos.
Com eles Peter gravaria o álbum Equal Rights (1) (foto ao lado - 1977), talvez a sua obra-prima. A voz confiante com que desafiava os poderosos repercutiu em todo o mundo, particularmente na África Negra, envolvida nas guerras que a libertariam do domínio europeu. A forma como a intensa agressividade de Peter Tosh foi lapidada nesse disco chamou a atenção de Mick Jagger e Keith Richards, que estavam montando um selo próprio dentro da EMI. O selo, chamado de Rolling Stone Record, lançou os discos Bush Doctor (2) (78) Mystic Man (79) e Wanted Dread Alive (81), todos infelizmente fora de catálogo por aqui. Peter Tosh chegava então ao estrelato internacional, lugar que certamente já merecia. Foi por essa época que ele veio ao Brasil, juntamente com Sly e Robbie, para fazer o encerramento do 1º Festival Internacional de Jazz de São Paulo, não sem antes dar um passadinha no Rio e gravar um histórica cena para a novela "Água Viva".
Em 83 Peter reformulou sua banda, passando a contar com o competente baterista Santa Davis e outros instrumentistas de igual calibre. Essa formação gravaria os álbuns Mama África (com o mega-sucesso Johnny B. Goode (3)), Captured Live e No Nuclear War, o melhor dessa fase.
Este disco acabou por se tornar o seu testamento, já que foi gravado em 87, o fatídico ano em que sua vida foi bruscamente interrompida. A história desse covarde assassinato ainda está para ser melhor contada [N. do E.: ela é aprofundada no documentário Red X - Stepping Razor, cujo cartaz está ao lado, mas as perguntas ainda persistem], assim como a de outros artistas jamaicanos mortos em condições misteriosas. A versão oficial conta que tudo teria acontecido durante um assalto planejado por Leppo, um antigo conhecido de Trenchtown que teria contado com a confiança de Peter para entrar em sua casa junto com dois pistoleiros. Um movimento brusco de Tosh (que era faixa-preta de karatê) teria causado os primeiros tiros. Nenhum dinheiro ou objeto de valor foi levado da casa. A polícia só chegou muito depois da fuga dos matadores. Peter já havia sido espancado quase até a morte pela mesma polícia, alguns anos antes. Ele chegou a dar entrada no hospital ainda com vida, mas não resistiu aos ferimentos. A voz mais poderosa do reggae estava definitivamente calada.
Notas
1) O álbum Equal Rights foi relançado pela Sony Music recentemente. O último grande lançamento de Peter Tosh (por enquanto soh importado) eh a caixa Honorary Citizen (ver no Reggae State of Mind) Clique aqui para voltar ao trecho do texto de onde você veio.
2) Bush Doctor felizmente foi relançado por aqui depois da publicação deste artigo e talvez seja o trabalho de Peter Tosh mais fácil de ser encontrado nas lojas hoje em dia. Clique aqui para voltar ao trecho do texto de onde você veio.
3) O baixista George Fullwood, autor do arranjo de Johnny B.Goode, contou, em um depoimento a Geraldo Carvalho, que esta versão havia sido sugerida pela gravadora, o que Peter Tosh considerou uma interferência indevida em seu trabalho. Ele resistiu até o último momento, quando avisou aos técnicos de som que só gravaria a sua parte uma única vez. Pois foi essa tomada solitária que se tornou a versão que todos conhecemos e foi, ironicamente, um dos maiores sucessos da carreira de Tosh. Clique aqui para voltar ao trecho do texto de onde você veio .
Leia mais sobre o homem perigoso do reggae no site dedicado à memória de Peter Tosh .
Fontes deste artigo: Revista The Beat (entrevista a Roger Steffens e Hank Holmes) e o livro Bob Marley, Reggae King of the World, além do depoimento de Geraldo Carvalho.
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